em cima do muro
Meio termo ou em cima do muro?
Texto adaptado e resumido do artigo publicado na Revista Emdá 2012/1
Segundo o Centro de Estatística de Israel, o nível religioso dos israelenses é classificada em três setores: laicos – 40%, tradicionalistas – 40% e religiosos – 20%, incluindo ortodoxos e ultra-ortodoxos. O setor tradicionalista subdivide-se entre ‘tradicionalistas menos religiosos ‘(25%) e ‘mais religiosos (15%)’. Isto significa que minha vida judaica é encontrada em 15% da população judaica israelense. Quais são suas características? As mesmas encontradas em muitos jovens judeus da comunidade sírio-libanesa paulista: cumpro com as festividades judaicas, vou a sinagoga no Shabat e faço Kidush, ponho Tefilin, como carne apenas kasher, respeito o Shabat dentro do possível, tento manter uma freqüência de estudo de Torá, tenho forte identidade judaica e estou consciente da importância de manter nossas tradições e não assimilar-se.
Entretanto, o aspecto religioso não faz parte integral da minha vida, não sigo rigorosamente o Shulchan Aruch. Não é o fato de estudar em uma universidade e não passar o dia em uma sinagoga/yeshiva que não me incluo no setor ‘religioso’ e sim a minha forma de vida. Apesar de seguir com alguns preceitos, não me submeto totalmente a halachá. Escrevo esse texto não com intenção de expor minha vida judaica e sim de fazer uma análise sobre essa prática.
Os grandes defensores do tradicionalismo possuem um slogan especial: nem 8, nem 80. Isto é, estamos no meio-termo entre dois extremos: a assimilação que leva a perda das tradições e a ruptura da religião, e a total submissão a um código de regras nem sempre condizente com o que estamos acostumados e cômodos. O tradicionalismo é utilizado como uma resposta ao dilema judaico, é a metodologia a partir da qual nos integramos e usufruímos da emancipação ao mesmo tempo que conservamos nosso judaísmo. É um modo de vida que combina duas ideologias aparentemente contraditórias. Porém, somos coerentes?
O judaísmo dominante nessa Kehilá foi classificado por um professor uruguaio como Judaísmo Salada de Frutas: o sujeito escolhe o que cumprir e o que não cumprir (assim como que fruta comer e não comer), o que lhe convém e o que não lhe convém: carne kasher sim, leite kasher não, festa sexta a noite não, discotecas sábado a noite sim, Tefilin sim, Mincha nem sempre. Durante uma das aulas desse professor, no Machon Le’Madrichim em Jerusalém, uma jovem aluna levantou mão e disse que isso era hipocrisia: ou a pessoa respeita, ou não. È compreensível um sujeito que segue apenas alguns princípios judaicos fundamentais, mas acredito que talvez chegamos a um nível que passamos do fundamental, a ponto de sermos contraditório com nós mesmos e possuirmos escolhas paradoxais, não sendo absurdo a frase da jovem “ou respeita, ou não”.
Quando estava no kibutz, conversando sobre minha vida judaica com o masguiach ortodoxo ele respondeu com ironia: “entendi você é sócio de D’us para negociar isso eu quero, isso eu não quero, vamos ver o que é para mim e o que eu não desejo”.
Ambas as metáforas, a do laico e a do ortodoxo, acusam o tradicionalismo de ser, ao contrário dos outros setores incluso o reformista, um judaísmo incoerente e confuso. Não um judaísmo no meio-termo e sim em cima do muro. E a diferença é que um meio-termo é uma solução boa perante dois radicalismos, o em cima do muro e uma indecisão, ou uma decisão paradoxal.
Entendo os que argumentam que não se deve cumprir com toda a halachá da noite para o dia, que a teshuva é um processo. A problemática e que não estamos num processo. Não sou uma pessoa que era totalmente desconectada do judaísmo que pouco a pouco estou no caminho na religião (baal teshuva), sou uma pessoa que constantemente respeitei e respeito apenas parte das coisas.
Como responder a essas questões? O “nem 8, nem 80” realmente representa uma hipocrisia inconveniente? Não refletimos sobre o tema por que estamos seguros da validez de nossa vida judaica, ou por medo de realmente assumir que somos incoerentes e falsos? Não digo que ser religioso é ser rabino: é somente ser uma boa pessoa, cumprir com as mitsvot em sua plenitude e afastar-se do pecado. E, se me argumentam que é impossível abdicar de uma vida moderna e da vida profissional sendo religioso, é porque não conhecem a opção de Tora Ve Avoda, ideologia de uma das nove Tnuot de SP, que defende que uma pessoa trabalhe, não necessariamente se vista de forma ortodoxa, mas viva seguindo todos os preceitos do proibido e permitido.
Convenhamos: Quão correto é levar queijo kasher para uma pizzaria não kasher? Não seria mais correto ser sincero consigo mesmo e decidir ser kasher indo a uma pizzaria kasher ou não se importar e comer não kasher numa pizaria não kasher? Afinal, se os próprios rabinos afirmam que o queijo kasher numa pizzaria não kasher resulta numa pizza não kasher, então por que se faz isso? Qual é a fonte? Não se quer abdicar da kashurt, mas também não da pizzaria comum. Essa atitude é de um judeu no meio-termo ou em cima do muro? “ou respeita, ou não respeita” diria a jovem outra vez. Um professor meu classifica a atitude de levar queijo kasher para uma pizzaria comum como “Reformismo Sefaradi”.
No meu Shnat tive oportunidade de viver um mês em Tel Aviv, cidade mais movimentada de Israel. Como disse antes, não sou Daati (religioso). Numa quinta-feira à noite fui para uma balada e, na volta, ao constatar que eram 5:00h, o mesmo horário de Selichot. Fui para a sinagoga, pois, como disse antes, não sou um chiloni (laico). Fui criticado por meus amigos. “como você se atreve a ir para sinagoga depois de estar em um ambiente tão contra a halachá? Não se sente mal? Não acha que é hipocrisia?”
No meu Shnat tive oportunidade de viver um mês em Tel Aviv, cidade mais movimentada de Israel. Como disse antes, não sou Daati (religioso). Numa quinta-feira à noite fui para uma balada e, na volta, ao constatar que eram 5:00h, o mesmo horário de Selichot. Fui para a sinagoga, pois, como disse antes, não sou um chiloni (laico). Fui criticado por meus amigos. “como você se atreve a ir para sinagoga depois de estar em um ambiente tão contra a halachá? Não se sente mal? Não acha que é hipocrisia?”
Por outro lado, é realmente problemático ter apenas uma base sólida judaica forte sem ser de fato religioso? É inaceitável que tenhamos apenas pouco mais que o suficiente para não nos assimilarmos? Se pensarmos que melhor assim do que ser um judeu sem nenhum contato com a religião, conseguimos encontrar coerência nesse sistema? E, se de fato assumirmos que é incoerente nossa forma de vida, a ausência de coerência deve fazer-nos mudar? E, se mudamos, para qual dos lados vamos?
post by reflexoesjudaicas.wordpress.com
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