Ideais cristãs x pecados judaicos (bíblico)
Por que três importantes ideais cristãs são consideradas pecados pelo judaísmo?
O cristianismo anuncia há muito tempo que sua diferença para o judaísmo é que o primeiro é a religião do amor e o último é a religião da lei. A comparação foi feita para colocar o judaísmo em uma posição desfavorável. Todavia, os judeus aceitam esta análise como um elogio mais do que uma crítica.
Para os judeus, uma religião que prega o amor de Deus mesmo para aqueles que continuam a transgredir tem como certo que homens e mulheres não podem ser melhores do que são; enfatiza a grande fé da humanidade em Deus, mas diminui a fé divina na humanidade. Um Deus da lei leva as pessoas a reconhecerem que suas bênçãos exigem obrigações, que privilégios carregam responsabilidades e que obedecer às leis é o preço que pagamos pelo dom de podermos viver aqui na Terra.
Pelo fato de existir um único Deus (Capítulo 1), por termos sido criados à Sua imagem (Capítulo 2) e por que nos relacionamos com outras pessoas (Capítulo 3), temos a responsabilidade de sermos verdadeiros com Deus, conosco e com nossos semelhantes. Um Deus da lei nos ensina como viver à altura destas responsabilidades, pois afinal de contas a responsabilidade não é nada mais do que nossa contrapartida à capacidade de Deus.
Agir está acima de acreditar
O cristianismo, como se diz, é a religião do credo. O Novo Testamento afirma: “Acredite no Senhor Jesus Cristo e você será salvo.” O judaísmo é diferente, pois coloca a ação antes da crença. Novamente, pelo fato de Deus ser um Deus da lei, Ele está mais preocupado com o que você faz do que com o que você pensa.
De acordo com o que Moisés Mendelssohn (1729-1786), filósofo alemão e erudito bíblico, afirmou, “Não há um único mandamento na lei mosaica do tipo ‘Acreditarás’ ou ‘Não acreditarás’. A fé não é ordenada; somente as ações são”.
A Torá é um manual de comportamento, não um catecismo de crenças. A Revelação no judaísmo significa que Deus disse a Moisés para ensinar ao povo judeu as 613 Leis (veja o Capítulo 8). O mesmo Deus que retirou os judeus da escravidão no Egito e compartilhou com eles o valor da liberdade, agora exige deles que se pautem pela disciplina dos mandamentos divinos.
Contradição? De forma alguma. Deus quis que os judeus aprendessem aquilo que o grande historiador norte-americano Will Durant (1925-1981) afirmou em sua maior lição de história: o ser humano tornou-se livre quando reconheceu que estava sujeito à lei.
Você pode fazer isso!
As leis só fazem sentido se não fazem exigências impossíveis às pessoas. Se o homem é um transgressor por inclinação, há inúmeros pontos que lhe ordenam não transgredir. Contudo, já vimos que o judaísmo acredita em livre-arbítrio. “O diabo me fez fazer isso” é uma frase irônica de Flip Wilson, mas não uma desculpa teologicamente aceitável. O diabo não é o boxeador Mike Tyson; ele não tem poder sobre aqueles que realmente querem derrotá-lo. Quando Caim, o primeiro assassino da história, quis usar este argumento, Deus lhe respondeu enfaticamente: “Na porta jaz o pecado; e a ti (fazer-te pecar), é o seu desejo (do mau impulso), mas tu podes dominá-lo” (Gênesis 4:7).
Aqui aparece novamente uma grande diferença entre o judaísmo e o cristianismo. O cristianismo acredita que as leis contidas no Velho Testamento foram entregues para provar que elas não podiam ser cumpridas; o homem tinha de ver que não poderia obter a salvação por conta própria – ou, como afirma o Novo Testamento: “Se a justiça é mediante a lei, então Cristo morreu em vão” (Gálatas 2:21).
O cristianismo afirma que Jesus teve de morrer para obter o perdão para os pecados dos homens, pois a humanidade foi incapaz de merecer o favor de Deus através do cumprimento das leis. A Lei, com todo o rigor de suas exigências, foi entregue ao homem, pois Deus quis deixar claro que acredita que “você pode fazer isso!”. Mais do que o homem acreditar em Deus, o conceito geral da Torá demonstra a ideia de que Deus acredita no homem.
Ideais cristãs x pecados judaicos(bíblico)
O velho provérbio diz que “a carne de um homem é o veneno de outro homem”. Uma versão mais moderna é: “valores diferentes para povos diferentes”. Portanto, além do judaísmo acreditar piamente que o que Deus criou foi feito para ser aproveitado, considera três preceitos “que o cristianismo idealiza” como sendo nada menos do que pecados.
O pecado do celibato
Jesus ensinou aos seus discípulos: “Os filhos deste mundo casam-se e se dão em casamento; mas os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em casamento” (Lucas 20:34-35). Verdade, o casamento é permitido para os cristãos. Paulo ainda instruiu os coríntios: “E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado” (1 Coríntios 7:8-9). No cristianismo, o casamento é, no máximo, um compromisso com a união sexual. A verdadeira santidade é expressa por aqueles que podem viver sob os limites de um voto de celibato.
No judaísmo, o sexo não é considerado pecado, pois é a fonte de toda a vida e a vida é sagrada. Tudo o que foi criado por Deus deve ser usado para um propósito Divino. O ato sexual está incluído naquilo que Deus criou e viu “que era muito bom”. O casamento é mais do que permitido: é uma mitsvá, um mandamento Divino. “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma (só) carne” (Gênesis 2:24).
Não é verdade, como diz a velha piada, que um descasado é alguém que não cometeu o mesmo erro novamente. Para os judeus, ele é alguém de quem deve se sentir pena, pois não percebe que o Paraíso somente é o Paraíso quando visto por quatro olhos, não por dois. Qualquer um que esteja solteiro, de acordo com o veredito do Talmud, “vive sem alegria, sem bênçãos e sem bondade”.
O pecado da pobreza
Tevie, o leiteiro, no musical O Violinista no Telhado, fantasia: “Se eu fosse rico (…)”. No judaísmo, este é um sonho permitido. O dinheiro não é algo para se envergonhar; e justamente porque, segundo observou de forma bem-humorada o escritor de língua íidiche Sholem Aleichem: “Se você tem dinheiro, torna-se sábio e gentil – e pode até cantar”. O dinheiro permite a uma pessoa cumprir muitas mitsvót. É claro que, como qualquer outra coisa, pode ser mal-usado. Mas o dinheiro não é a raiz de todo mal; é a fonte de incontáveis bênçãos quanto utilizado da forma correta.
O cristianismo idealiza o voto de pobreza. O Novo Testamento diz: “É mais fácil passar um camelo pelo furo de uma agulha do que entrar um rico no reino dos Céus” (Mateus 19:23). No judaísmo, a pobreza não é glorificada como algo bom e a riqueza não é considerada um pecado. “E Deus abençoou Abrahão com todas as coisas.” Abrahão era um homem rico. É por isso que ele foi capaz de convidar estrangeiros, alimentá-los, vesti-los e então aproximá-los de Deus. Um judeu deve esforçar-se para ter posses. Uma vez que ele as obtenha, deve guiar-se pela lei judaica para fazer caridade e transformar suas bênçãos em uma bênção para a humanidade.
O pecado do isolamento
No local onde a Torá foi revelada por Deus ao homem, o Monte Sinai, fica um monastério cristão. Seus ocupantes fazem um voto para se isolarem do mundo e nunca deixarem aquele local sagrado. Mesmo após a morte, seus ossos permanecem em um dos aposentos, de forma a não quebrar seu compromisso. Os monges afirmam sua dedicação à santidade através de sua total separação do mundo profano.
A crença judaica foi expressa pelo grande sábio Hilel na Ética dos Pais 2:5 (veja no Capítulo 8): “Não te afastes da comunidade.” A santidade não é obtida com o isolamento. Deus não quer que nós nos retiremos da Terra para nos aproximarmos dos Céus; Ele prefere que tomemos os ensinamentos dos Céus e os pratiquemos na Terra. Não devemos renunciar ao mundo, mas consertá-lo. Os rabinos dizem que Moisés foi chamado para subir no Monte Sinai para receber a Torá e, então, levá-la até as pessoas embaixo. Ficar no alto da montanha é completar somente metade da jornada. “Conte isso ao mundo” é o slogan judaico para uma vida humana verdadeiramente espiritual.
A vida acima de tudo
No capítulo 4 eu mencionei uma lei interessante: os Cohanim, sacerdotes, são proibidos de terem contato com os mortos. Chamamos isso de chóc – uma lei sem razão aparente. Não é dada uma explicação, mas posso compartilhar com você uma possibilidade intrigante à luz da ênfase do judaísmo a respeito da vida.
Em muitas outras religiões, o principal foco não está na vida, mas na morte; não neste mundo, mas no mundo vindouro. Os sacerdotes pagãos concentraram seus esforços em fazer contato com espíritos ou em ajudar pessoas a enfrentarem o mistério da morte. Imagine o que significou quando a lei judaica disse que os seus rabis, seus antigos líderes religiosos, estavam proibidos de ter qualquer contato com os mortos. Afinal, o que era esperado que fossem as suas funções? Obviamente, lidar com a vida. No judaísmo, Deus diz à humanidade: “Meu reino é deste mundo.” Viva bem sua vida neste mundo e o que virá depois não deve preocupá-lo por enquanto.
Extraído de O MAIS COMPLETO GUIA SOBRE O JUDAÍSMO, de Benjamin Blech.
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